Os pilares da Reforma Protestante 3
Infelizmente no mundo pós-moderno, onde o relativismo cresce em proporções alarmantes, em detrimento de um claro “assim diz o Senhor”, faz-se necessário reavivar em nossa memória os princípios que abalaram e transformaram o mundo, especialmente agora, quando tantas forças tentam subvertê-los e neutralizá-los. Os cinco pilares sobre os quais foi construído e se mantém o edifício da Reforma Protestante são também conhecidos como “Os Cinco Solas”: Sola Scriptura (Somente a Escritura); Sola Fide (Somente por meio da fé); Solus Christus (Somente por meio de Cristo); Sola Gratia (Somente por meio da Graça); e Soli Deo Gloria (Glória somente a Deus). Iremos a cada semana refletir sobre esses cinco pilares.
Sola Gratia (somente por meio da graça)
“A igreja de Roma mercadejava com a graça de Deus. As mesas dos cambistas (Mateus 21:12) foram postas ao lado de seus altares, e o ar ressoava com o clamor dos compradores e vendedores. Com a alegação de levantar fundos para a construção da igreja de São Pedro, em Roma, publicamente se ofereciam à venda indulgências, por autorização do papa. Pelo preço do crime deveria construir-se um templo para o culto a Deus — a pedra fundamental assentada com o salário da iniquidade! Mas os próprios meios adotados para o engrandecimento de Roma provocaram o mais mortal dos golpes ao seu poderio e grandeza. Foi isto que despertou o mais resoluto e eficaz dos inimigos do papado, determinando a batalha que abalou o trono papal e fez tremer na cabeça do pontífice a tríplice coroa.”
Assim que Tetzel, o famoso oficial romano, se tornou mais ousado em seu ímpio comércio de venda de indulgências, Lutero decidiu fazer um protesto contra esses abusos. No dia da festa de Todos os Santos (1º de novembro), milhares de peregrinos visitavam a igreja do castelo de Wittenberg em busca de completa remissão dos pecados. Lutero aproveitou a ocasião e, no dia anterior, 31 de outubro de 1517, pregou na porta da igreja as famosas Noventa e Cinco Teses Contra a Doutrina das Indulgências. Por essa razão, e pela ousadia e coragem de Lutero, o dia 31 de outubro passou a ser comemorado como o dia da Reforma Protestante.
“Essas teses mostravam que o poder de conferir o perdão do pecado e remir de sua pena jamais fora confiado ao papa ou a qualquer outro homem. Todo esse plano era uma farsa, um artifício para extorquir dinheiro, valendo-se das superstições do povo — expediente de Satanás para destruir a alma de todos os que confiassem em suas pretensões mentirosas. Mostrou-se também claramente que o evangelho de Cristo é o mais valioso tesouro da igreja, e que a graça de Deus, nele revelada, é livremente concedida a todos os que a buscam com arrependimento e fé.”
Veja a verdade das declarações do Espírito de Profecia, nas sete teses separadas neste artigo: “Pregam futilidades humanas [todos] quantos alegam que no momento em que a moeda soa ao cair na caixa, a alma se vai do purgatório” (27ª tese). “Certo é que no momento em que a moeda soa na caixa vem o lucro, e o amor ao dinheiro cresce e aumenta; a ajuda, porém, ou a intercessão da igreja tão só corresponde à vontade e ao agrado de Deus” (28ª tese). “Irão para o diabo juntamente com os seus mestres aqueles que julgam obter certeza de sua salvação mediante breves (carta ou escrito papal que encerra comunicação de alguma decisão) de indulgência” (32ª tese). “Há que acautelar-se muito e ter cuidado daqueles que dizem: A indulgência do papa é a mais sublime e mais preciosa graça ou dádiva de Deus, pela qual o homem é reconciliado com Deus” (33ª tese).
“Todo e qualquer cristão que se arrepende verdadeiramente dos seus pecados, sente pesar por ter pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, perdão esse que lhe pertence mesmo sem breve de indulgência” (36ª tese). “Esperar ser salvo mediante breves de indulgência é vaidade e mentira, mesmo se o comissário de indulgências ou o próprio papa oferecesse sua alma como garantia” (54ª tese). “O verdadeiro tesouro da igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus” (62ª tese).
O artigo 20 da Confissão Luterana de Augsburgo contém a seguinte declaração sobre a graça: “Visto, pois, que a doutrina da fé, que é o artigo principal no cristianismo, negligenciada por tanto tempo, como é forçoso confessar, havendo-se pregado apenas doutrina de obras por toda a parte, os nossos deram a seguinte instrução a respeito: ‘Em primeiro lugar, que nossas obras não nos podem reconciliar com Deus e obter graça; isso, ao contrário, sucede apenas pela fé, quando cremos que os pecados nos são perdoados por amor de Cristo, o qual Ele só é o Mediador que pode reconciliar-nos com o Pai. Agora, quem pensa realizar isso mediante obras e imagina merecer a graça, esse despreza a Cristo, e procura seu próprio caminho a Deus, contrariamente ao evangelho’.”
John W. Robbins define: “Graça é uma qualidade no coração de Deus. Sua disposição de ser benévolo e misericordioso para com aqueles que estão perdidos e que não são merecedores. Graça significa o atributo de Deus de aceitar aqueles que são inaceitáveis — incluindo aqueles a quem Ele tem santificado.” Ele fez essa definição no contexto do seu comentário de Romanos 3:24, onde se lê: “Sendo justificados livremente por Sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” onde a palavra grega traduzida por livremente significa “sem causa” ou que não está condicionada a qualquer qualidade no coração humano. Ellen White usa o mesmo texto de Romanos para definir que “graça é favor imerecido, e o crente é justificado sem qualquer mérito seu próprio, sem nenhum direito a alegar a Deus. É ele justificado pela redenção que há em Cristo Jesus, que está nas cortes do Céu como substituto e penhor do pecador.”
A palavra graça aparece 323 vezes em toda Bíblia, sendo 155 apenas no Novo Testamento, e mais de cem vezes somente nos escritos de Paulo, a quem podemos chamar merecidamente de “O Teólogo da Graça”. Nos textos de Romanos 3:24; 5:20; 11:6; Gálatas 2:16 e 21, e em tantos outros, Paulo sempre relacionou a graça com a fé, nunca com as obras humanas. A graça, segundo ele, é a disposição de Deus de aceitar e perdoar o pecador mediante a fé em Cristo. Por comparação, podemos dizer que a graça é a água para a alma sedenta, e a fé é o copo ou o recipiente que permite ao pecador bebê-la. A fé em si mesma não tem nenhum poder salvador; ela é apenas o meio de se receber a graça.
Em Romanos 5:12-21, Paulo estabelece uma importante relação entre Adão e Cristo, e as implicações na vida dos crentes. No versículo 12 ele é explícito em afirmar que todos somos pecadores pelo pecado de Adão. Isso significa que, por natureza, todos nascemos pecadores, algo que não depende de nossa escolha, mas é uma herança de nosso primeiro pai e representante. Nos versículos 18 e 19, Paulo é bem explícito ao afirmar que pela “ofensa de um só” ou “desobediência de um só veio o juízo sobre todos os homens para a condenação”. Portanto, por natureza, todos nascemos e estamos condenados à morte eterna. Nenhum ser humano tem direito à vida eterna. Logo, Deus não tem a obrigação de salvar ninguém, e não o faria se os atributos de Seu caráter não fossem justiça, amor e misericórdia.
Dentro desse contexto, Paulo introduz o conceito de graça. “Se, pela ofensa de um só reinou a morte, muito mais os que recebem a abundância da graça e o dom da justiça reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo” (Romanos 5:17). Assim como a condenação veio por um só e pela ofensa de um só — Adão —, por meio de Um só e pela obediência de Um só — Jesus Cristo— “veio a graça sobre todos os homens”. Assim Paulo, o Teólogo da Graça, conclui que ela não é o produto da bondade, retidão e obediência do crente, mas o produto do amor e obediência de Cristo, imputado [concedido] ao crente que O aceita como Salvador pessoal.
Portanto, Paulo e os reformadores entenderam que pela misericórdia de Deus o pecador não recebe o que merece — a morte eterna —, e pela graça de Deus o pecador recebe o que não merece — a vida eterna. Tudo por causa do seu substituto, Jesus Cristo, que por Sua morte vicária pagou o preço da transgressão do pecador, e pela Sua vida vicária de perfeita obediência, garantiu a ele o direito de vida eterna. Nada mais, nada menos do que isso é graça!
Esse é o princípio vital da Reforma — Sola Gratia.
Revista Observador da Verdade, 2017.