Teologia Coaching
Antes de adentrarmos nas implicações do título, precisamos pontuar algumas conceituações que serão importantes para a compreensão do que iremos refletir. De acordo com o Instituto Brasileiro de Coaching, o Coaching é um processo, uma metodologia, um conjunto de competências e habilidades que podem ser aprendidas e desenvolvidas por absolutamente qualquer pessoa pra alcançar um objetivo na vida pessoal ou profissional, até 20 vezes mais rápido, comprovadamente. [...] utiliza técnicas, ferramentas e conhecimentos de diversas ciências como a administração, gestão de pessoas, psicologia, neurociência, linguagem ericksoniana, recursos humanos, planejamento estratégico, entre outras. A metodologia visa a conquista de grandes e efetivos resultados em qualquer contexto, seja pessoal, profissional, social, familiar, espiritual ou financeiro.
Alcançar um objetivo na vida pessoal ou profissional até 20 vezes mais rápido é, por si só, um grande atrativo, dadas as condições de nossa atual sociedade que almeja tudo na velocidade do ‘click’. Mas o que nos chama a atenção são as técnicas de linguagem utilizadas. A linguagem ericksoniana foi desenvolvida por Milton Erickson e a mesma “possibilita a mudança de padrões de comportamento, alteração de crenças e valores”, de acordo com José Roberto Marques (referência em Desenvolvimento Humano). Além disso, Marques segue comentando que “na linguagem ericksoniana não dizemos ‘não faça isso’ ou ‘faça isso’, mas ‘faz sentido para você isso ou aquilo?’, ou seja, plantamos sugestões na mente das pessoas.
“Todas essas sutilezas e particularidades da linguagem ericksoniana, que na prática se traduzem em cuidados na forma de se comunicar com o paciente ou coachee sob o efeito da hipnose, se mostram necessárias em razão de a comunicação estabelecida pelo modelo ericksoniano se dar de maneira fundamentalmente indireta”, afirma Marques. Ou seja, as técnicas utilizadas por esse modelo de comunicação têm a intenção de despertar o lado inconsciente da mente humana, o que não seria alcançado somente pelo bom uso da razão.
Ainda no site oficial do Coaching no Brasil, podemos encontrar alguns nichos nos quais as metodologias do coaching são aplicadas e encontramos o Coaching espiritual, que se afirma como não tendo ligação com religião, doutrina ou crença. Tem como foco proporcionar o equilíbrio entre a paz interior do indivíduo e com o universo em si. Neste sentido, ajuda o ser humano a acreditar em si mesmo e superar os seus limites.
A pergunta que cabe a nós é: como essas ideias e técnicas invadiram a teologia cristã? De acordo com Alan Rennê Alexandrino (bacharel em Teologia) esses elementos tiveram o caminho preparado pelos movimentos de autoajuda que invadiram os salões de palestras e as livrarias bem como pela Teologia da Prosperidade, assentando a base humanista para o desenvolvimento da Teologia do Coaching. No Brasil encontramos grandes referências neste “mercado” como Deive Leonardo, Tiago Brunet e Victor Azevedo.
Quais problemáticas encontramos nesta abordagem de evangelho? Antes de mais nada podemos afirmar que é uma teologia antropocêntrica (coloca o homem no centro), é humanista (valorização da figura do homem) e materialista, adotando um discurso motivacional travestido de fé, conforme aponta Alexandrino. Mas passemos para especificações mais diretas das abordagens dessa corrente teológica.
Em uma das mais conhecidas pregações de Deive Leonardo nas redes sociais encontramos a seguinte afirmação: “Do coração de Deus, Jesus é o centro. Mas do coração de Jesus, você é o centro […] Você é a pessoa mais importante da face da terra […] Todo amor é por conta de você. O sacrifício é por sua culpa. A cruz é por conta de você”. Tais afirmações comovem ainda mais o coração quando acompanhadas de um maravilhoso fundo musical. Ouvir tais afirmações acalentam qualquer coração humano, que é naturalmente carente e vazio. Mas isso é evangelho?
Alan Rennê Alexandrino observa com muita clareza bíblica que a “morte de nosso Senhor Jesus Cristo na cruz não é uma declaração de nosso valor, mas indica a profundidade do nosso pecado e culpa diante de Deus”. Nós somos salvos por algo bom em Deus, não porque haja algo bom em nós. Esse tipo de afirmação oblitera a condição perdida e maltrapilha da natureza humana, nos colocando em uma posição de vantagem.
Só retirando as lentes humanistas que poderemos compreender o real sentido do sacrifício de Cristo. O objetivo do evangelho não é dizer o quanto o homem é importante para Deus, mas o quanto Deus é importante para o homem. Com isso, não negamos o amor de Deus pela humanidade, mas colocamos o homem em um relacionamento correto diante de Deus, em completa submissão à sua vontade. O apóstolo Pedro compreendeu isso e aconselhou a igreja neste sentido: “Portanto, humilhai-vos sob a poderosa mão de Deus, para que Ele a seu tempo vos exalte, lançando sobre Ele toda vossa ansiedade, pois Ele tem cuidado de vós” (1Pe. 5: 6 e 7).
Nesta passagem claramente vemos que Deus deve ser o centro de tudo e a posição humana deve ser de humildade, submissão. Isso soa menos agradável, visto ser a nossa natureza mesquinha e orgulhosa. Somente a partir de uma correta compreensão de seu real estado é que o pecador vai começar a entender a magnitude do amor de Deus. Quando lemos a experiência de Paulo entendemos qual é a essência do evangelho: “Estou crucificado com Cristo, e já não vivo eu, mas Cristo vive em mim” (Gal. 2:20). O ‘eu’ se perde na magnitude de Cristo. O ‘eu’ é crucificado para que Cristo seja o centro.
O problema com as teologias antropocêntricas é que elas reduzem ou esquecem de alguns aspectos do evangelho, focalizando apenas porções que favorecem o discurso motivacional. Deus se torna um suporte emocional e uma escada para projetos pessoais e o evangelho se resume a fazer com que os seres humanos se sintam bem consigo mesmos. Além disso, por seu caráter humanista, apresentam o potencial inerente de cada ser humano e, a partir das técnicas do coaching (que conforme vimos usam uma linguagem que se aproxima da hipnose), intencionam levar as pessoas a um patamar elevado de desenvolvimento pessoal e espiritual.
O único potencial que existe em nós se chama pecado. Sem Cristo estávamos mortos em delitos e ofensas. Sem Cristo éramos filhos da ira por natureza, mas pela sua graça e misericórdia fomos ressuscitados com Ele. Efésios 2: 4-7 deixa claro, de forma inequívoca, qual o propósito de todo esse amor: ‘para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça, pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus”. O homem nunca será o centro, mas as riquezas da graça divina por uma raça caída será a nota central de cada louvor na eternidade.
Yolanda Nunes Sousa