A Polêmica Entre a Lei e a Fé Em Cristo 2
Então se não é pela obediência à Lei, pelo que somos justificados?
Por Cristo, a promessa. Novamente podemos fazer um outro silogismo para essa parte da apologia de Paulo:
1) Abraão foi justificado por crer na promessa;
2) A Lei vem depois de Abraão;
3) A justiça vem pela promessa.
O ponto de Paulo é que Jesus Cristo é a promessa feita a Abraão, logo é nEle que somos justificados por crer e teremos vida. Portanto a afirmação de Paulo é que a justiça não vem pela Lei, e que a vida não pode ser obtida por ela (Gl 3. 21). A justiça está na fé em Jesus Cristo que salva e dá a vida.
Porém não podemos ler Paulo como um antinomista, isso é um equívoco. O ponto central de Paulo é a Salvação em Cristo. A Lei só se torna um problema se nós a considerarmos como um meio extra de justificação e vida. Por isso Paulo declara "a Lei é boa, se alguém a usa de forma adequada" (1 Tm 1. 8). Na visão paulina a Lei não é ruim, nem buscar obedecê-la. A confusão é generalizada quando o crente tem Cristo, mas quer uma forma a mais de se tornar justo. Essa é a preocupação de Paulo "Vocês que procuram ser justificados pela Lei, separaram-se de Cristo; caíram da graça" (Gl 5. 4). Cristo se tornaria insuficiente e Ele teria morrido em vão, pois para ser justo diante de Deus bastaria cumprir a Lei. Paulo não está a argumentar de forma que seja algo do tipo "somos salvos pela fé, se você seguir a Lei você perde o Espírito e nega a Cristo". Não é isso. Até porque se fosse, o ensino de Paulo seria dúbio e duvidoso, pois ele circuncida Timóteo; e nem por isso Timóteo estava a negar a Cristo ou perdeu o Espírito.
Paulo considerava a lei pecado? Não. Em seus escritos Paulo não vincula a lei e buscar obedecê-la como pecado. É difícil chegar a essa conclusão tomando declarações dele como "Portanto, que concluiremos? A lei é pecado? De forma alguma! De fato, eu não teria como saber o que é pecado a não ser por intermédio da lei" (Rm 7. 7). Paulo não atribui pecado à lei, a lei revela o pecado que há em nós. Desta forma o pecado está no ser humano que não consegue obedecer a lei, porque o pecado se interpõe entre nós e ela, mas não na lei. Não é errado buscar obedecer a lei, pois ela é dada por Deus que exorta a obediência a ela, o que implica que obedecer a lei é obedecer a Deus. Mais uma vez a lei em si não tem nada de errado, o erro está naquele que tem contato com ela. A lei não pode ter nenhum pacto com o pecado porque ela "é santa, e o mandamento, santo justo e bom" ( Rm 7. 12). Para o apóstolo o problema não é a lei, ela não é pecado, o problema é o homem que é pecador, e por isso ele não consegue cumprir a lei de forma integral, só parcial. E é aqui que a lei condena o homem pecador.
A lei promete vida ao homem desde que ele a cumpra de forma integral, mas só conseguimos cumprir partes dela, e como a lei é santa e não tem relação com o pecado ela vai sempre nos punir por sermos transgressores. Esse raciocínio é correto tomando também o pensamento de Tiago "Porque qualquer que guardar toda lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos" (Tiago 2. 10). Então a lei, conquanto prometa vida, ela só te condena, ou seja, ela não pode salvar, sendo necessária outra fonte de salvação para o ser humano. O argumento de Paulo é que essa fonte é a fé em Cristo, que pode perdoar, o que a lei em si –perdoar – não pode fazer por nós. Por isso ele declara "Portanto, agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus" (Rm 8.1).
Quando Paulo evoca a lei, ele, admite não apenas teoricamente que é possível alcançar vida através da Torá. Isso é percebido claramente pelo seu discurso. Vejamos. "É evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá pela fé. Ora, a lei não é da fé; mas o homem que fizer estas coisas, viverá" (Gl 3. 11 e 12). Para esse argumento Paulo evoca o texto de Levítico "Portanto os meus estatutos e os meus juízos guardareis, os quais, observando-os o homem, viverá por eles. Eu sou o Senhor" (Lv 18. 5). A argumentação paulina parece se estruturar naquilo que já expliquei antes. A lei promete vida àquele que a cumprir, no entanto, o pecado não nos faz aptos a cumprir, e uma vez que a lei só dá vida ao cumpri-la, nós não a alcançamos, a lei então sempre nos condena. É evidente que necessário é um outro meio de conseguir a vida e que transcenda a lei, esse meio é a fé em Cristo. Por isso "a lei não é da fé", e, uma vez pela fé em Cristo, por meio dEle, nós temos acesso à vida que a lei prometia, por isso "mas o homem que fizer estas coisas, viverá".
Em Romanos Paulo diz "Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados" (Rm 2. 13). Parece um tanto estranho à noção de justificação apenas pela fé. Todavia a fé e o cumprir a lei – ou obras da lei – estão em uma relação sinérgica. A lei não te entrega vida, só pela fé em Cristo você tem acesso à vida, mas sua fé se evidencia pelas obras. É o ensino também de Tiago "Assim também a fé, se não tiver as obras é morta em si mesma. Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras" (Tg 2. 17 e 18). "Porventura nosso pai Abraão não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar seu filho Isaque? Bem vês que a fé cooperou com suas obras, e que pelas obras a fé foi aperfeiçoada" (Tg 2. 21 e 22). "Vedes então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé" (Tg 2. 24).
O argumento de Tiago complementa o de Paulo que declara "os que praticam a lei hão de ser justificados". Pois lei – obras da lei – e fé estão em sinergia e não antagônicas uma a outra.
Ainda em Romanos Paulo diz "Porque o fim da lei é Cristo para a justiça de todo aquele que crê. Ora, Moisés descreve a justiça que é pela lei, dizendo: O homem que fizer estas coisas viverá por elas" (Rm 10. 4 e 5). "O fim da lei é Cristo". "Fim" aqui neste texto entendemos melhor não como "acabar", "abolir", mas como finalidade. Sim, é verdade que τÎλος (Telos), o termo original grego para "fim" no texto mencionado pode ser entendido como acabar, terminar, conclusão; mas também é entendido como meta, alvo, objetivo, propósito e finalidade. Pelo contexto é melhor entender τÎλος como finalidade, pois entender como fim na forma de abolição obscurece os demais textos já citados onde Paulo admite a lei. A lei em si promete vida, mas ela encontra seu fim – no sentido de finalidade – em Cristo.
Qual o fim da lei? Dar vida. A finalidade da lei em dar vida é dada por Cristo através da fé "justiça de todo aquele que crê". Logo em seguida ele fala sobre a justiça que é pela lei – ele não nega a lei – e a justiça que é pela fé.
Paulo é complexo e profundo.
Paulo Matheus Lima